sábado, junho 17, 2006



Amigdalas

Naquela tarde, cheguei à loja de meu avô (era uma avicultura), que ficava no bairro do Belenzinho, em São Paulo. Avistei duas freiras. Virei as costas e saí correndo ... Eu estava com quatro anos, recém operada das amídalas. Operada e traumatizada, pois me lembro até hoje da cena. Era um hospital bem clarinho, com bancos brancos ao longo do corredor. Estávamos minha mãe e eu. Papai esperava do lado de fora. Eu sabia que ia acontecer alguma coisa comigo, mas ainda não tinha descoberto o que, exatamente. Haviam umas mulheres com roupa comprida e véu na cabeça que passavam para lá e para cá. Num dado momento, apareceu uma delas e falou secamente para mamãe: “chegou a vez dela” (minha vez?... vez do que?). Mamãe então me disse “filha, você precisa acompanhar a irmã (mas ela não é minha irmã...), não vai doer nada” (o instinto já me avisou que havia algo errado, o que não ia doer???). Como poderia eu deixar minha mãe e acompanhar aquela estranha de cara fechada? “EU QUERO MINHA VÓ”. Onde estava minha avó? Ela, com certeza, não me entregaria para uma mal encarada estranha... Acho que odiei minha mãe naquele instante, pois buscava sua mão e ela, tentando passar-me calma, insistia em dizer que não iria doer nada. Ela chorava também. Agarrei sua saia e a dona “mal encarada de saia comprida” me puxava. Mamãe não brigou com ela. Mamãe não me defendeu. Eu implorava a ela pra me levar embora. Ela soltou-se de mim e me deixou ser levada... berrando, esperneando, apavorada. Ainda deu para agarrar o banco, mas a mal encarada era mais forte que eu. Onde estava vovó, onde estava vovô? Eles teriam me salvado da dona “mal encarada de saias compridas”, que agora também passava a ser uma “monstra”. Ainda hoje, se fecho os olhos, sinto seus dedos apertando meus braços. Fui levada para uma sala pequena e sentada numa cadeira, semelhante às de dentista. Um homem de roupa branca entrou e, ajudado pela “monstra”, amarrou-me na cadeira. Eu acho que já não tinha mais voz de tanto gritar. Lembro que meu pavor não tinha limites. E minha mãe, havia permitido... e não havia vindo me salvar. Ninguém aparecia par me salvar ... Muito pelo contrário, se meu pai soubesse de tudo isso, ainda seria capaz de dar razão para a “monstra”. Ele não gostava de mim. É, papai não gostava de mim. ele, ainda iria me bater. Eu precisava parar de gritar antes que ele chegasse... e pedir para mamãe não contar para ele ... De qualquer forma, não iria ter como gritar mesmo, colocaram algo na minha boca, parecei uma cuia de coco ... Puxa vida! Agora que quero fechar a boca eu não posso!!! Papai vai me bater ... sei que vai ...

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