Belinho
Lembro-me da viagem de trem. Eu estava, então, com quatro anos. Só nós duas: vovó e eu. Viajamos a noite inteira e, pela primeira vez na vida, eu assistia o nascimento de um dia. Vovó mostrava-me as “vaquinhas”, os “boizinhos”, os “cavalinhos” e seus filhotes. Apaixonei-me imediatamente por todos eles e, por muitos anos, seria esta minha paisagem predileta. Chegamos a Barretos bem cedo. Fomos para o ponto da jardineira (era este o nome daquele ônibus esquisito), que nos levaria para a fazenda de uma família amiga de meus avós. Não me lembro bem do proprietário, mas lembro-me muito bem de seu filho. Devia ter, na época, uns vinte e poucos anos. Já era um moço e muito simpático. Lembro-me que quando me viu pegou-me no colo e não se cansava de dizer “que menina linda!”. Eu que sempre fui tão tímida, adorei aquele contato. Era a primeira vez que um homem, que não fosse meu pai ou meu avô, segurava-me no colo e dizia-me coisas tão amáveis. Foi meu primeiro contato com o “bicho homem”. Foi minha primeira paixão. Eu tinha quatro anos! Nunca cheguei a saber seu nome real, mas o chamavam de “Belinho” e era peão. Todo o meu tempo naqueles dias eram gastos junto a ele, no seu colo ou ao seu lado. Somente ficava longe quando ele montava em seu cavalo e saia pela fazenda afora. Uma vez ele montou comigo no cavalo, mas senti pavor. O cavalo virava a cabeça para trás para espantar as moscas e eu pensava que ele ia me morder. Chorei apavorada (que vergonha!) Ele dizia para todos que eu era sua namorada. E eu acreditava nisso! Uma tarde, estava deitada (contra minha vontade), pois vovó queria descansar. Meus olhos teimavam em ficar abertos e, de repente, vi uma baita aranha (a maior que já vi em minha vida), andando pela janela. Era preta e peluda. Gritei! “Belinhooooooooo!!!!!”. Repetida e histericamente, gritei seu nome. E ele materializou-se em minha frente. Meu herói chegou e, não me lembro como, livrou-se daquela aranha horrível. Pegou-me no colo e. carinhosamente, convenceu-me de que não havia mais perigo algum. Não desgrudei dele naquela noite. No dia seguinte, aconteceu o inesperado. Ela chegou. Sim, ela, a primeira rival das tantas que eu haveria de enfrentar pela vida afora, chegou. Não sei se era nome ou apelido, mas Fiuca chegou e o abraço deles foi demorado demais. Eu os observava de soslaio, com o coração na mão e eles demoraram tanto para se afastar um do outro. Foi quando ele olhou para mim, pegou na mão dela e disse “Venha conhecer minha outra namorada. Veja que linda!”. Ela olhou-me docemente e quando se abaixou para me beijar eu virei as costas e disparei a correr, nem sei para onde. Estranho, não me lembro do que aconteceu depois. Dizem que nossa mente incumbe-se de esconder fatos muito tristes de nossa memória e acho que foi o que aconteceu. Foi a minha primeira cena de ciúme. Penso que comecei muito cedo. E eu já era marruda, pois não mais olhei para ele até o dia de vir embora. Acho que não o perdoei ... Anos mais tarde descobri o motivo de estarmos naquela fazenda, com pessoas que eu nunca tinha visto, mas que eram muito amigos de minha família. Tínhamos ido para o noivado dele, do Belinho. Nunca mais o vi, mas sei que se casou com Fiuca.
Lembro-me da viagem de trem. Eu estava, então, com quatro anos. Só nós duas: vovó e eu. Viajamos a noite inteira e, pela primeira vez na vida, eu assistia o nascimento de um dia. Vovó mostrava-me as “vaquinhas”, os “boizinhos”, os “cavalinhos” e seus filhotes. Apaixonei-me imediatamente por todos eles e, por muitos anos, seria esta minha paisagem predileta. Chegamos a Barretos bem cedo. Fomos para o ponto da jardineira (era este o nome daquele ônibus esquisito), que nos levaria para a fazenda de uma família amiga de meus avós. Não me lembro bem do proprietário, mas lembro-me muito bem de seu filho. Devia ter, na época, uns vinte e poucos anos. Já era um moço e muito simpático. Lembro-me que quando me viu pegou-me no colo e não se cansava de dizer “que menina linda!”. Eu que sempre fui tão tímida, adorei aquele contato. Era a primeira vez que um homem, que não fosse meu pai ou meu avô, segurava-me no colo e dizia-me coisas tão amáveis. Foi meu primeiro contato com o “bicho homem”. Foi minha primeira paixão. Eu tinha quatro anos! Nunca cheguei a saber seu nome real, mas o chamavam de “Belinho” e era peão. Todo o meu tempo naqueles dias eram gastos junto a ele, no seu colo ou ao seu lado. Somente ficava longe quando ele montava em seu cavalo e saia pela fazenda afora. Uma vez ele montou comigo no cavalo, mas senti pavor. O cavalo virava a cabeça para trás para espantar as moscas e eu pensava que ele ia me morder. Chorei apavorada (que vergonha!) Ele dizia para todos que eu era sua namorada. E eu acreditava nisso! Uma tarde, estava deitada (contra minha vontade), pois vovó queria descansar. Meus olhos teimavam em ficar abertos e, de repente, vi uma baita aranha (a maior que já vi em minha vida), andando pela janela. Era preta e peluda. Gritei! “Belinhooooooooo!!!!!”. Repetida e histericamente, gritei seu nome. E ele materializou-se em minha frente. Meu herói chegou e, não me lembro como, livrou-se daquela aranha horrível. Pegou-me no colo e. carinhosamente, convenceu-me de que não havia mais perigo algum. Não desgrudei dele naquela noite. No dia seguinte, aconteceu o inesperado. Ela chegou. Sim, ela, a primeira rival das tantas que eu haveria de enfrentar pela vida afora, chegou. Não sei se era nome ou apelido, mas Fiuca chegou e o abraço deles foi demorado demais. Eu os observava de soslaio, com o coração na mão e eles demoraram tanto para se afastar um do outro. Foi quando ele olhou para mim, pegou na mão dela e disse “Venha conhecer minha outra namorada. Veja que linda!”. Ela olhou-me docemente e quando se abaixou para me beijar eu virei as costas e disparei a correr, nem sei para onde. Estranho, não me lembro do que aconteceu depois. Dizem que nossa mente incumbe-se de esconder fatos muito tristes de nossa memória e acho que foi o que aconteceu. Foi a minha primeira cena de ciúme. Penso que comecei muito cedo. E eu já era marruda, pois não mais olhei para ele até o dia de vir embora. Acho que não o perdoei ... Anos mais tarde descobri o motivo de estarmos naquela fazenda, com pessoas que eu nunca tinha visto, mas que eram muito amigos de minha família. Tínhamos ido para o noivado dele, do Belinho. Nunca mais o vi, mas sei que se casou com Fiuca.