domingo, junho 18, 2006



O colégio

Voltando àquela tarde, quando eu tinha quatro aninhos, chegando à loja do meu avô, da qual me lembro o endereço até hoje (Rua Silva Jardim, 77 – Belenzinho – São Paulo) e, também, do telefone (9-7954), apavorei-me, pois lá estavam duas freiras. A cena da cirurgia das amídalas voltou à minha mente na hora e, pensei que aquelas duas “monstras” ali estavam para me levar de volta ao hospital. Voltei correndo, até ser segura no braço por minha avó que, calmamente me explicou que aquelas eram um outro tipo de freira e que não trabalhavam num hospital. Eu precisava passar por elas para entrar em casa (nessa época, eu morava com meus avós e a casa ficava nos fundos da loja) e me vejo agora, passando por elas, o mais longe possível, com os olhos bem arregalados, quase sem respiração, atenta ao menor movimento. Meu avô pegou-me, então, no colo e começou a explicar que elas eram muito boazinhas e lecionavam no colégio onde eu iria estudar. Aproximou-se das duas, comigo em seu colo, mas eu não me deixava convencer. Meu pavor voltara e todos os esforços para que eu as cumprimentasse foram em vão. As aulas iniciaram-se na semana seguinte. A família toda tentava convencer-me a não ter medo. É claro que meu pai entrou em cena, com aquele jeito tão peculiar de falar comigo: “vai prá escola e sem chorar, porque se não for, vai apanhar”. Virando-se para minha avó, completou: “se ela chorar a senhora me conta”. Diante desse ultimato, não me restou outra alternativa: fui para o colégio no dia seguinte, e sem chorar. Era o Colégio Nossa Senhora Auxiliadora, que ficava na Rua Passos, nº 36 (nem eu sabia que ainda me lembrava desse endereço). Realmente, não era um hospital. Muito desconfiada, não deixava qualquer pessoa chegar perto de mim. Foi-me reservada uma carteira na primeira fila, bem no meio. A professora, que era uma freira, ficava bem na minha frente e aquela visão estava incomodando-me muito. Não deu outra, no primeiro dia de aula cruzei os braços na carteira e abaixei a cabeça. A freira, muito atenciosa, tentava conversar comigo, mas eu estava convencida a não deixar que me levasse para a “sala de cirurgia”. Minha mãe não estava lá para me soltar. Meu pai não estava lá para me bater. Se tentassem me pegar, eu sairia correndo. Santa ingenuidade. Acho que me tornei um desafio para aquela bondosa criatura, a Irmã Ana Maria. A cada dia, com toda sua paciência, foi me retirando daquele casulo e se tornando a pessoa em quem mais confiei na minha infância. Morena, baixinha e magrinha, usava óculos com uma armação grossa preta e se tornou, em muito pouco tempo, a minha melhor amiga. Sempre tive certeza que também fui sua aluna predileta. Andávamos pela escola de mãos dadas, a maior parte do tempo. Mais tarde, quando brincávamos de roda, era sempre eu que ela tirava para dançar e era sempre atrás de mim que ela deixava cair o lenço na brincadeira “lenço-atrás”. Passa-anel, nem preciso dizer em que mão caía o anel,quando era sua vez de passar. O amor que senti por essa freira foi tão grande, que nosso afastamento veio a se tornar um outro problema, cinco anos mais tarde, quando precisei deixar aquele colégio. É ... desde muito cedo, precisei lidar com “perdas” (e até hoje, não aprendi).

sábado, junho 17, 2006



Amigdalas

Naquela tarde, cheguei à loja de meu avô (era uma avicultura), que ficava no bairro do Belenzinho, em São Paulo. Avistei duas freiras. Virei as costas e saí correndo ... Eu estava com quatro anos, recém operada das amídalas. Operada e traumatizada, pois me lembro até hoje da cena. Era um hospital bem clarinho, com bancos brancos ao longo do corredor. Estávamos minha mãe e eu. Papai esperava do lado de fora. Eu sabia que ia acontecer alguma coisa comigo, mas ainda não tinha descoberto o que, exatamente. Haviam umas mulheres com roupa comprida e véu na cabeça que passavam para lá e para cá. Num dado momento, apareceu uma delas e falou secamente para mamãe: “chegou a vez dela” (minha vez?... vez do que?). Mamãe então me disse “filha, você precisa acompanhar a irmã (mas ela não é minha irmã...), não vai doer nada” (o instinto já me avisou que havia algo errado, o que não ia doer???). Como poderia eu deixar minha mãe e acompanhar aquela estranha de cara fechada? “EU QUERO MINHA VÓ”. Onde estava minha avó? Ela, com certeza, não me entregaria para uma mal encarada estranha... Acho que odiei minha mãe naquele instante, pois buscava sua mão e ela, tentando passar-me calma, insistia em dizer que não iria doer nada. Ela chorava também. Agarrei sua saia e a dona “mal encarada de saia comprida” me puxava. Mamãe não brigou com ela. Mamãe não me defendeu. Eu implorava a ela pra me levar embora. Ela soltou-se de mim e me deixou ser levada... berrando, esperneando, apavorada. Ainda deu para agarrar o banco, mas a mal encarada era mais forte que eu. Onde estava vovó, onde estava vovô? Eles teriam me salvado da dona “mal encarada de saias compridas”, que agora também passava a ser uma “monstra”. Ainda hoje, se fecho os olhos, sinto seus dedos apertando meus braços. Fui levada para uma sala pequena e sentada numa cadeira, semelhante às de dentista. Um homem de roupa branca entrou e, ajudado pela “monstra”, amarrou-me na cadeira. Eu acho que já não tinha mais voz de tanto gritar. Lembro que meu pavor não tinha limites. E minha mãe, havia permitido... e não havia vindo me salvar. Ninguém aparecia par me salvar ... Muito pelo contrário, se meu pai soubesse de tudo isso, ainda seria capaz de dar razão para a “monstra”. Ele não gostava de mim. É, papai não gostava de mim. ele, ainda iria me bater. Eu precisava parar de gritar antes que ele chegasse... e pedir para mamãe não contar para ele ... De qualquer forma, não iria ter como gritar mesmo, colocaram algo na minha boca, parecei uma cuia de coco ... Puxa vida! Agora que quero fechar a boca eu não posso!!! Papai vai me bater ... sei que vai ...